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Operação Entre Lobos: número de possíveis vítimas chega a 330

Ação visa combater um esquema interestadual de fraude contra idosos

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Operação Entre Lobos: número de possíveis vítimas chega a 330
Fotos: Divulgação / Gaeco

Em menos de três dias, aumentou em mais de 50% o número de supostas vítimas da organização criminosa que praticava um esquema interestadual de estelionato contra idosos, desarticulada com a Operação Entre Lobos, deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) na terça-feira (22) em apoio à Promotoria de Justiça da Comarca de Modelo.  

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Mais 115 pessoas procuraram o Ministério Público em busca de ajuda, elevando para 330 o número de possíveis vítimas que teriam sido enganadas pelo grupo criminoso. O número pode crescer ainda mais, considerando o volume de ações revisionais movidas pelo escritório de advocacia dos investigados. 

Pessoas que se identificarem como vítimas do esquema devem procurar a Delegacia de Polícia Civil mais próxima para registrar um boletim de ocorrência, o qual será posteriormente encaminhado ao Ministério Público para as providências cabíveis. Também podem contatar a Ouvidoria do Ministério Público ou a Promotoria de Justiça de Modelo.

“É fundamental que todas as vítimas se manifestem para que a investigação possa dimensionar adequadamente o alcance dos crimes, identificar os lesados e garantir a devida reparação dos danos,  a responsabilização criminal dos investigados e a identificação de outras pessoas que porventura integravam a organização criminosa”, considera o Promotor de Justiça da comarca de Modelo, Edisson de Melo Menezes.

Prisões

A Operação Entre Lobos cumpriu simultaneamente 13 mandados de prisão – oito preventivas e cinco temporárias – e de 35 mandados de busca e apreensão em 12 municípios de cinco estados da Federação – Santa Catarina, Ceará, Rio Grande do Sul, Bahia e Alagoas.  

Dez dos 13 presos estão detidos no Presídio de Chapecó, incluindo quatro advogados e um vereador. Dentre eles, três foram presos fora do estado. Um foi preso na cidade gaúcha de Planalto, na divisa com Santa Catarina, e trazido imediatamente para o estado. Um casal de advogados foi preso em Salvador, na Bahia, e prontamente buscado pela Polícia Penal catarinense nessa quinta-feira (24).

Apenas os três que tinham base no Ceará, duas advogadas e um cientista em inteligência jurídica aplicada, permanecem na sua origem, detidos em Fortaleza. 

Próximos passos

O GAECO e a Promotoria de Justiça de Modelo se concentram, agora, na tomada do depoimento das possíveis vítimas para em seguida proceder à oitiva dos investigados presos. Em paralelo, será iniciada a análise dos 5,8 mil documentos e os dados extraídos de 18 computadores, 22 telefones celulares e 17 mídias eletrônicas apreendidos na operação. 

”Neste momento o Ministério Público trabalha na análise dos documentos e recebe inúmeras novas reclamações de pessoas que teriam sido vítimas para que possa deflagrar a ação penal. Os dados coletados positivam que se tratava de organização estruturada que lesava muitas pessoas em Santa Catarina e também fora do Estado. Pretendemos conseguir ressarcimento aos envolvidos, estancando a atuação ilegal dos investigados”, ressalta o Coordenador Estadual do GAECO, Promotor de Justiça Wilson Paulo Mendonça Neto. 

Durante a operação também foram apreendidos R$ 115,7 mil, além de 6,7 mil dólares e euros, sete veículos e duas armas com 60 munições.  

Características do esquema criminoso 

A investigação, iniciada há quase um ano a partir de denúncias que apontavam a exploração financeira de vítimas por meio de cessões de crédito judicial, revelou um esquema sofisticado e coordenado que operava através de múltiplas estratégias predatórias. 

A organização criminosa abordava vítimas, predominantemente idosos e aposentados, em suas residências ou por outros meios, oferecendo a propositura de ações revisionais de contratos bancários. Após o ajuizamento dessas ações, muitas vezes sem o devido discernimento dos clientes e sem qualquer informação sobre o processo, as vítimas eram induzidas em erro e ludibriadas a assinar contratos de cessão dos valores de direitos judiciais, resultantes das ações propostas, às empresas de fachada que integravam a organização criminosa. 

A apuração também apontou a captação de clientes via internet, com o uso do Instituto de Defesa do Aposentado e Pensionista (IDAP), uma fachada institucional para direcionar as vítimas ao esquema fraudulento. As pessoas entravam no site e assinavam os documentos necessários para a organização criminosa ajuizar a ação. O site do IDAP é exposto em âmbito nacional para atrair aposentados, pretensas vítimas da organização. 

As cessões de crédito eram firmadas por valores significativamente abaixo dos montantes reais a receber nas ações judiciais. A análise dos dados coletados durante a investigação revela a dimensão da exploração praticada contra as vítimas, com idade média de 69 anos. As vítimas eram levadas por integrantes do grupo a cartório para reconhecimento de firma, visando dar aparência de credibilidade à negociata espúria. 

Até o momento foram identificadas cerca de 215 vítimas do esquema criminoso, porém há uma estimativa de que mais de mil pessoas podem ter sido lesadas pela organização criminosa em SC e em outros estados, demonstrando a magnitude e o alcance interestadual desta estrutura fraudulenta.  

Para ilustrar a gravidade da exploração aos idosos, casos concretos demonstram a disparidade entre os valores liberados pela Justiça e os pagamentos efetivamente realizados às vítimas.  

  • Em situações analisadas, enquanto uma vítima tinha direito a receber R$ 146.327,17 determinado judicialmente, recebeu apenas R$ 2.500,00 por meio da cessão fraudulenta, representando apenas 1,71% do valor devido.  
  • Outra vítima, com direito a R$ 117.711,86, recebeu somente R$ 2.500,00, correspondendo a 2,12% do montante.  
  • Um terceiro caso revela que uma vítima com crédito judicial de R$ 115.660,20 recebeu apenas R$ 2.000,00, equivalente a 1,73% do valor que lhe era devido por direito. 

As investigações demonstraram que os contratos de cessão eram assinados em nome das empresas de fachada Ativa Precatórios e BrasilMais Precatórios, porém os alvarás eram todos expedidos em nome do escritório de advocacia da pessoa que a investigação apontou como chefe da organização criminosa. Depois, os valores eram, em parte, transferidos para as empresas e/ou rateados entre os integrantes do grupo criminoso. 

Segundo as apurações, por meio da empresa de fachada Ativa Precatórios, da cidade de Pinhalzinho/SC, foram liberados pela Justiça um total de R$ 924.479,10, mas pagos às vítimas apenas R$ 91.600,00, representando uma taxa de pagamento de apenas 9,91% do valor real devido, uma apropriação indevida de R$ 832.879,10.  

Já por meio da BrasilMais Precatórios, com sede em Fortaleza/CE, foram liberados valores ainda mais alarmantes: de R$ 5.106.773,12 liberados pela Justiça as vítimas receberam somente R$ 503.750,00, resultando em uma taxa de pagamento de apenas 9,86% do valor devido, uma apropriação de R$ 4.603.023,12. 

Somando as duas empresas, o valor total adquirido pela organização criminosa e liberado pela Justiça foi de mais de R$ 6 milhões, porém os idosos explorados pelo esquema receberam menos de 10% do valor que lhes era devido por direito. 

A investigação aponta que o esquema estaria utilizando as empresas de fachada para aquisição de créditos judiciais e como instrumento para formalizar as cessões fraudulentas e, ao mesmo tempo, com método para distanciar os criminosos que extrapolavam a função de advogado das reclamações e questionamentos das vítimas. Como as empresas de fachada eram as novas detentoras dos créditos judiciais, quaisquer esclarecimentos ou questionamentos financeiros eram direcionados a elas, fato que, sob a aparência de legalidade e boa-fé, denuncia o complexo emaranhado criado pela organização criminosa e sofisticação dos golpes. 

Durante a investigação foram identificadas planilhas de controle financeiro detalhando a divisão de lucros, comissões pagas, investimentos e despesas, revelando a partilha de proveitos ilícitos entre os envolvidos. Também foram coletados registros de procurações e substabelecimentos que indicam a transferência de poderes de representação entre os criminosos que extrapolavam a função de advogado e as empresas.