
O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) apresentou denúncia contra 14 investigados na Operação Entre Lobos, que desarticulou uma organização criminosa a qual teria montado um grande esquema de estelionato contra idosos. Na ação, a Promotoria de Justiça da Comarca de Modelo atribuiu aos investigados a prática dos crimes de integrar organização criminosa e 215 estelionatos. Quatro dos investigados, que são advogados, também foram denunciados pelo crime de patrocínio infiel.
A Operação Entre Lobos foi deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) no dia 22 de julho, em apoio à Promotoria de Justiça da Comarca de Modelo. A operação cumpriu simultaneamente 13 mandados de prisão – oito preventivos e cinco temporários – e 35 mandados de busca e apreensão em 12 municípios de cinco estados da Federação – Santa Catarina, Ceará, Rio Grande do Sul, Bahia e Alagoas. Durante a operação também foram apreendidos R$ 156 mil, além de 6,7 mil dólares e euros, nove veículos e duas armas com 60 munições.
Entre Lobos: Denúncia do MPSC
A denúncia apresentada pela Promotoria de Justiça da Comarca de Modelo demonstra que uma organização criminosa atuava de forma estruturada, hierarquizada e segmentada, em diversos municípios de Santa Catarina e outros estados brasileiros. Ela era composta por pelo menos 14 pessoas, com divisão clara de tarefas e funções, com destaque para a prática sistemática de estelionatos contra vítimas vulneráveis, especialmente idosos. A organização criminosa seria composta por cinco núcleos:
- núcleo de liderança e estratégia: responsável pela concepção do esquema, expansão e controle financeiro;
- núcleo operacional e financeiro central: cuidadova da caixa, pagamentos, contratos e suporte às empresas de fachada;
- núcleo jurídico e administrativo: dava aparência de legalidade às ações judiciais e formalizava a representação das vítimas;
- núcleo empresarial: formado por empresas de fachada que formalizaram cessões fraudulentas;
- núcleo de coleta: composto por agentes que abordavam diretamente as vítimas, coletavam documentos e realizavam pagamentos.
O modus operandi geral da organização criminosa era o seguinte:
1 – Captação: agentes do núcleo de coleta abordaram vítimas, oferecendo serviços de advocacia para ajudar ações revisionais, e coletando os documentos necessários. A captura de clientes ainda foi feita por meio do site do Instituto de Defesa do Aposentado e Pensionista (IDAP) na internet a partir de maio de 2023.
2 – Ajuização: o núcleo jurídico ingressava com as ações judiciais.
3 – Cessão fraudulenta: em um momento estratégico do processo, as vítimas eram persuadidas/induzidas a erro, a fim de que assinassem contratos de cessão de crédito com as empresas do núcleo empresarial, recebendo em troca valores ínfimos e desproporcionais ao valor real do crédito.
4 – Recebimento e distribuição: os valores totais dos alvarás judiciais ou acordos foram recebidos pelo núcleo jurídico, diretamente na conta bancária do escritório de advocacia. O núcleo financeiro central, então, orquestrava a distribuição dos lucros, que, após o pagamento de comissões e despesas, era direcionado ao núcleo de liderança. Após descontos de honorários (frequentemente 40%), o valor remanescente era formalmente repassado (ou registrado como repassado) às empresas cessionárias.
5 – Ocultação e blindagem: a estrutura compartimentada em núcleos e a utilização de empresas de fachada eram estratégias para dissimular a origem e o destino dos lucros, proteger o núcleo de liderança de responsabilização criminal e dificultar as investigações, tática reforçada pela migração das comunicações para plataformas criptografadas.
Características do esquema de falha
A investigação, iniciada há quase um ano a partir de denúncias que apontavam a exploração financeira de vítimas por meio de cessões de crédito judicial, revelou um esquema sofisticado e coordenado que operava através de múltiplas estratégias predatórias.
A organização criminosa abordou vítimas, predominantemente idosos e aposentados, em suas residências ou por outros meios, oferecendo uma propositura de ações revisionais de contratos bancários. Após o auxílio a essas ações, muitas vezes sem o devido discernimento dos clientes e sem qualquer informação sobre o processo, as vítimas foram causadas em erro e ludibriadas a negociar contratos de cessão de valores de direitos judiciais, resultantes das ações propostas, às empresas de fachada que integravam a organização criminosa.
A apuração também detectou a captação de clientes via internet, com o uso do IDAP, uma fachada institucional para direcionar as vítimas ao esquema fraudulento. As pessoas entraram no site e transferiram os documentos necessários para que a organização criminosa ajudasse a ação. O site do IDAP está exposto no âmbito nacional para atrair investidores, pretensas vítimas da organização.
As cessões de crédito foram firmadas por valores significativamente abaixo dos valores reais para cobrança em ações judiciais. A análise dos dados encontrados durante a investigação revela a dimensão da exploração praticada contra as 215 vítimas já identificadas, com idade média de 69 anos. As vítimas foram levadas por membros do grupo ao cartório para reconhecimento de firma, ocorrendo aparência de substituição à negociação espúria.
Em suma, a denúncia demonstra que o esquema estaria utilizando as empresas de fachada para a aquisição de créditos judiciais e como instrumento para formalizar as cessões fraudulentas e, ao mesmo tempo, como método para distanciar os criminosos que extrapolavam a função de advogado das reclamações e questionamentos das vítimas. Como as empresas de fachada eram as novas detentoras de créditos judiciais, quaisquer esclarecimentos ou questionamentos financeiros eram direcionados a elas, fato que, sob a aparência de legalidade e boa-fé, denuncia o complexo emaranhado criado pela organização criminosa e sofisticação dos golpes.
Durante a investigação foram elaboradas planilhas de controle financeiro detalhando a divisão de lucros, comissões pagas, investimentos e despesas, revelando a partilha de lucros ilícitos entre os envolvidos. Também foram encontrados registros de procurações e substabelecimentos que demonstram a transferência de poderes de representação entre os criminosos que extrapolavam a função de advogados e as empresas.
Valores irrisórios
Para ilustrar a gravidade da exploração aos idosos, casos concretos demonstram a disparidade entre os valores liberados pela Justiça e os pagamentos efetivamente realizados nas vítimas.
Em situações comprovadas, enquanto uma vítima tinha direito a receber R$ 146.327,17 determinados judicialmente, recebeu apenas R$ 2.500,00 por meio da cessão fraudulenta, representando apenas 1,71% do valor devido. Outra vítima, com direito a R$ 117.711,86, recebeu somente R$ 2.500,00, correspondendo a 2,12% do montante. Um terceiro caso revela que uma vítima com crédito judicial de R$ 115.660,20 recebeu apenas R$ 2.000,00, equivalente a 1,73% do valor que lhe era devido por direito.
As investigações revelaram que os contratos de cessão foram assinados em nome das empresas de fachada Ativa Precatórios e BrasilMais Precatórios, porém os alvarás foram todos expedidos em nome do escritório de advocacia da pessoa que a investigação nomeou como chefe da organização criminosa. Depois, os valores foram, em parte, transferidos para as empresas e/ou rateados entre os membros do grupo criminoso.
Somando as duas empresas, o valor total adquirido pela organização criminosa e liberado pela Justiça foi de mais de R$ 6 milhões, porém os idosos explorados pelo esquema receberam menos de 10% do valor que lhes foi devido por direito.
Outras prováveis vítimas
Após a operação, além das 215 vítimas identificadas que motivaram a denúncia, outras 274 pessoas já foram consideradas como possíveis vítimas. ”É fundamental que todas as vítimas se manifestem para que uma investigação possa dimensionar o alcance dos crimes, identificar os lesados e garantir a devida reposição dos danos, a responsabilização criminal dos investigados e a identificação de outras pessoas que porventura integraram a organização criminosa”, considera o Promotor de Justiça Edisson de Melo Menezes, da Comarca de Modelo.
Pessoas que se identifiquem como vítimas do esquema deverão procurar a Delegacia de Polícia Civil mais próxima para registrar um boletim de ocorrência, o que será posteriormente encaminhado ao Ministério Público para as providências cabíveis. Você também pode entrar em contato com a Ouvidoria do Ministério Público ou com a Promotoria de Justiça de Modelo:
- Promotoria de Justiça da Comarca de Modelo – WhatsApp: (49) 99200-7462;
- Ouvidoria do MPSC ¿ e-mail: [email protected] / telefone: (48) 3229-9306 ou 127, das 9h30 às 19h.