O Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) apresentou nesta terça-feira (10) o estudo Efeito Bumerangue: o custo da proibição das drogas. Ele revela que, para implementar a Lei de Drogas (11.343/06), o Distrito Federal e os estados de Santa Catarina, Bahia, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo gastaram R$ 7,7 bilhões em 2023. A pesquisa inaugura a nova etapa do projeto Drogas: Quanto Custa Proibir. E amplia o território de análise sobre os impactos sociais e econômicos provocados pela chamada guerra às drogas.
A partir dos dados, solicitados e obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), a pesquisa estima a parcela do trabalho dedicado à proibição das drogas. Isso no âmbito de sete instituições do Sistema de Justiça Criminal: Polícias Civil e Militar, Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, Sistema Penitenciário e Sistema Socioeducativo.
O nome do estudo teve como inspiração o movimento de um bumerangue, objeto que se arremessa com objetivo de regressar na direção de quem o lançou. Mas, apesar de aparentemente ser uma jogada calculada, pode ter efeitos imprevistos, com uma trajetória diferente da esperada. “A guerra às drogas se assemelha a uma jogada de bumerangue amadora e sem estratégia. Mas o objeto aqui é um montante bilionário de dinheiro público, que se volta contra a população, com impactos devastadores. Principalmente para a juventude negra e periférica”, destaca Julita Lemgruber, coordenadora do CESeC e do projeto Drogas: Quanto Custa Proibir.
PM e Sistema penitenciário
“É como um efeito bumerangue. Vemos as ações de todo o sistema de justiça destinadas a reprimir a circulação e o consumo de drogas se voltarem contra a população. Isso aumenta a vulnerabilidade de territórios e corpos historicamente afetados pela violência do Estado e pela precariedade dos serviços públicos”, completa.
A pesquisa mostra que mais de R$ 4,5 bilhões se gastou em apenas duas instituições: a Polícia Militar e o Sistema Penitenciário. E mais. O estudo ainda revela que, juntos, Bahia, Distrito Federal, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo gastaram quase R$ 1 bilhão com o Sistema Socioeducativo em 2023. Isso tudo em privação e restrição de liberdade de adolescentes por infrações relacionadas à Lei de Drogas.
Apenas em São Paulo, R$ 674 milhões do orçamento do sistema socioeducativo se comprometeu com a aplicação dessa lei. São investimentos que apartam do convívio social jovens negros e periféricos. Isso como resultado de uma política de segurança pública equivocada e pouco transparente que não oferece alternativas de investimento no futuro desses adolescentes. Santa Catarina não está incluso na soma, pois o Sistema Socioeducativo do Estado faz parte da Secretaria de Estado de Administração Prisional e Socioeducativa.
Alocar recursos do orçamento na guerra às drogas drena o que poderia se investir para assegurar a oferta de serviços essenciais. Com os R$ 7,7 bilhões gastos com a legislação proibicionista, seria possível construir 954 novas escolas públicas. Ou então 396 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) mantidas durante um ano. Além de se poder multiplicar os investimentos com a gestão ambiental nessas Unidades da Federação.
Falta de transparência
O estudo denuncia a falta de transparência no que se refere a informações fundamentais que permitam estimar os custos reais da implementação da Lei de Drogas. Para esta pesquisa se fizeram 138 pedidos de dados via Lei de Acesso à Informação. Sendo que muitas respostas chegaram fora de prazo ou não tiveram envio.
Também se identificou informações que não correspondiam às solicitações. Além disso, há casos em que os números não eram críveis, como os dados fornecidos pelo Tribunal de Justiça do Pará, que apresentou apenas oitos processos relacionados à Lei de Drogas. De acordo com informações publicadas pelo Conselho Nacional de Justiça, no Pará, o número de processos relacionados a essa legislação foi de 3.190.
A falta de transparência também se destaca entre as informações das Polícias Militares. Já que parte do trabalho direcionado aos crimes relativos às drogas não é registrada ou publicada. Ações cotidianas de revistas nas ruas, por exemplo, só resultam em registros formais quando se apreende alguma quantidade de droga. Da mesma forma, não existem informações oficiais sobre o custo das operações policiais. O que subestima o valor total do real impacto da implementação da Lei de Drogas nessa instituição.
“O processo que já começa com pouca transparência compromete todo o sistema. As polícias militares fazem operações muito custosas para o Estado. Elas devastam a vida e o futuro de milhares de jovens negros das periferias. Seja pela letalidade da sua ação, seja pelo encarceramento ou pelas limitações impostas à vida cotidiana. Como a impossibilidade de ir à escola ou a um centro de saúde. Em resumo, sob qualquer ponto de vista o custo da proibição também significa um prejuízo imenso para a sociedade”, ressalta Julita.
Comparação de gastos
A comparação dos gastos de todo o fluxo do Sistema de Justiça Criminal analisados no estudo Efeito Bumerangue também revela diferenças muito significativas entre as unidades federativas. O indicador da Polícia Militar reflete as ocorrências registradas durante ações de patrulhamento ou flagrantes. Na Bahia, 26,3% dos casos estão relacionados à Lei de Drogas. Enquanto nos outros Estados e no Distrito Federal esse dado varia entre 3,5% (RJ) e 8,2% (PA).
Chama a atenção o fato de que, no Rio de Janeiro e em São Paulo, 40,0% do total dos adolescentes atendidos pelos sistemas socioeducativos cumprem medidas de restrição e privação de liberdade por atos análogos aos crimes previstos na Lei de Drogas, enquanto no Pará a situação é inversa, representando apenas 3,9% do total de jovens nessas instituições. Ainda vale destacar que o gasto da Bahia para manter todo o sistema de proibição de drogas é 46,5% maior que o do Rio de Janeiro.
A estratégia adotada para calcular o custo da implementação da Lei de Drogas pelo Sistema de Justiça Criminal das seis unidades da Federação selecionadas seguiu três etapas: A primeira foi estimar a fração do trabalho de cada instituição dedicada à aplicação da Lei de Drogas. A segunda foi levantar as despesas liquidadas das instituições estaduais analisadas, em 2023. Por fim, a terceira foi calcular o custo da proibição das drogas para cada instituição estimando em suas despesas a proporção do trabalho dedicado à aplicação da Lei de Drogas. Todos os indicadores foram construídos a partir de informações oficiais fornecidas pelas instituições, via LAI ou disponíveis nos sites dos governos.
Padronização das fontes
No próximo ano, o CESeC pretende alcançar todos os Estados da federação com o projeto Drogas: Quanto Custa Proibir. Para isso, inicia neste relatório uma estratégia de cálculo, que considera os dados produzidos por órgãos nacionais, como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), de forma que os critérios sejam homogêneos para todo o país.
A padronização da fonte de dados é fundamental para que seja possível a análise em todos os Estados. Porém, a mudança nos indicadores no sistema penitenciário chama a atenção. No primeiro estudo, lançado em 2021 com dados de 2017, sobre o impacto orçamentário da Lei de Drogas no Sistema de Justiça Criminal foi identificado que, nas penitenciárias do Rio de Janeiro, 30,2% dos presos cumpriam pena por crimes relacionados a drogas, enquanto em São Paulo o número correspondia a 37,2%.
Ao analisar os números fornecidos pela CNJ em 2023, os indicadores caíram para 13,2% e 24,6% respectivamente. “Há uma forte sensação que estes números estão subestimados. O que temos acompanhado é uma rotina violenta das instituições em nome da guerra às drogas, que não estamos vendo refletida nesses dados“, observa Julita.
Quanto Custa Proibir?
O projeto Drogas: Quanto Custa Proibir reforça o debate sobre os impactos da proibição e da guerra às drogas com dados e análises inéditas em quatro frentes de trabalho: segurança e justiça, educação, saúde, e território.
Todos os resultados demonstraram que, além de mortes e violações de direitos, a guerra às drogas tem um preço alto para os cofres públicos. O estudo Um Tiro no Pé revelou o gasto de R$ 5,2 bilhões com a implementação da Lei de Drogas (11.343/06) pelo Sistema de Justiça Criminal dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro em 2017. A segunda etapa, Tiros no Futuro, demonstrou que 74% das escolas cariocas vivenciaram pelo menos um tiroteio com presença dos agentes de segurança em seu entorno em 2019. O que prejudica o desempenho escolar e a renda futura dos estudantes.
Saúde na Linha de Tiro, terceira etapa, analisou o impacto da guerra às drogas na saúde e no acesso aos equipamentos públicos de saúde para os moradores de favelas cariocas. E revelou por exemplo, que moradores de comunidades expostas à violência têm 42% mais risco de desenvolver hipertensão quando comparados a quem vive em localidades menosafetadas. Finalizando esse ciclo de pesquisas, todas promovidas pelo CESeC, a Favelas na Mira do Tiro estima um prejuízo anual de R$ 14 milhões para moradores. E de R$ 2,5 milhões para comerciantes em apenas dois complexos de favelas cariocas como consequência da violência provocada por agentes do Estado.
Sobre o CESeC
Fundado em 2000, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) desenvolve pesquisas e outros projetos nas áreas de segurança pública, justiça e política de drogas. E tem como compromisso a promoção dos direitos humanos e a luta contra o racismo no sistema de justiça criminal brasileiro.
Com informações da Agência Lema