Região Grande Florianópolis

Demissão gera polêmica e dissolve mandato coletivo na Capital

Em 2020, cinco mulheres foram eleitas pelo Coletivo Bem Viver para um único mandato na Câmara de Vereadores

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Demissão gera polêmica e dissolve mandato coletivo na Capital
Foto: Alesc / divulgação

Surgida nas eleições municipais de Florianópolis em 2020 como novidade na política catarinense, o primeiro mandato coletivo eleito para a Câmara de Vereadores da  Capital chegou ao fim nesta sexta (11). Quatro das cinco covereadoras que dividiam a cadeira do Coletivo Bem Viver (PSOL) no Legislativo anunciaram seus desligamentos da função. Dessa forma, o mandato passa a partir de agora a ser exercido por apenas uma pessoa, a vereadora Cintia Moura Mendonça.

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De acordo com a nota que informa o desligamento, as covereadoras Joziléia Kaingang, Lívia Guilardi, Mayne Goes e Marina Caixeta apontam um desentendimento de ordem administrativa como motivo para as renúncias. Segundo elas, Cintia teria demitido um dos assessores do gabinete, o que desagradou as colegas.

A nota explica que, como a legislação eleitoral brasileira não prevê a eleição de mantados coletivos, os acordos nesse sentido têm sido feitos na informalidade. Na prática, apenas uma pessoa inscreve seu CPF e entra oficialmente como candidata. No caso de Florianópolis, foi o nome de Cintia Mendonça o inscrito na chapa do PSOL, que em 2020 elegeu ainda outros dois vereadores, além do Coletivo Bem Viver, eleito com 1.660 votos.

“Seguiremos atuantes e firmes na caminhada pelo combate ao fascismo e para uma sociedade pautada nos princípios ancestrais do Bem Viver, sempre mantendo nossos princípios. Acompanharemos em todas as instâncias os possíveis desdobramentos do descumprimento dos acordos coletivos por parte da covereadora Cintia Mendonça, que segue com a representação legal do mandato”, concluiu a nota, assinada pelas quatro agora ex-covereadoras. Antes de ser eleita, Cintia foi Coordenadora Administrativa Financeira da Associação Evangélica Beneficente de Assistência Social (AEBAS), em Florianópolis.

No começo da noite, a vereadora Cintia Mendonça publicou nas suas redes sociais um documento prestando seu posicionamento sobre a situação. Denominado de “Carta Aberta”, a nota justificou a ruptura dentro do Coletivo Bem Viver apontando o que chamou de “desvirtuamentos da estratégia”.

Confira a íntegra da Nota publicada pela vereadora Cintia Mendonça:

“CARTA ABERTA

Sobre os problemas políticos do mandato em Florianópolis!

O Movimento Bem Viver, fundado nacionalmente em outubro de 2021, vem a público trazer nitidez aos problemas políticos acontecidos em relação ao mandato de vereança em Florianópolis, que culminaram no desligamento de parte da equipe de gabinete na última semana e na decisão de covereadoras deixarem a construção do mandato.

A Candidatura do Mandato Coletivo para Florianópolis foi decidida coletivamente há 71 dias das eleições de 2020. A estratégia por trás da forma e as diretrizes que compuseram o conteúdo já haviam sido desenhadas nacionalmente, subsidiadas pelos acúmulos de camaradas do Distrito Federal que construíram a primeira candidatura coletiva lançada em 2018 para o cargo de Co-Deputades Distritais do Distrito Federal. Essa primeira experiência de outra região trouxe a bagagem que guiou a construção e formulação da candidatura para vereança em Florianópolis. Os responsáveis por essa formulação seguem hoje construindo o Movimento Bem Viver conosco nacionalmente.

A proposta e a estratégia se mostraram acertadas, pois, somadas aos acúmulos e construções territoriais anteriores, vencemos as eleições em 2020. Ocorre que o primeiro mandato coletivo eleito em Santa Catarina enfrentou graves dificuldades e desvirtuamentos durante os dois anos que passaram, entre os quais podemos destacar os seguintes:

Desvirtuamento da Estratégia: colocou-se o foco na institucionalidade, com parte das pessoas não atendendo a construção territorial e até a luta social mais concreta (algo que discordamos totalmente). Essa estratégia de mandato em movimento, em luta e construção dedicada às lutas sociais nos terrritórios foi o compromisso feito na eleição de 2020 e que em 2022 mostrou mais uma vez sua força política, pois a plataforma semelhante na Mandata Feminista Bem Viver obteve nas últimas eleições 3.248 votos em Florianópolis e 7.137 votos no estado em uma construção que contou com mulheres indígenas, negras, LGBTQIA+, migrantes e outros setores fundamentais com os quais temos construção orgânica.

Instrumentalização descompromissada do gabinete: faltando com assessoria e apoio para a função parlamentar mesmo em momentos críticos em que a Porta Voz foi alvo da extrema-direita e da violência política de gênero, distorcendo prioridades e focando a  atuação nas pequenas disputas internas por representatividade nos espaços e não realizando um trabalho concreto condizente com a responsabilidade e compromisso que se espera de um mandato do PSOL. Durante dois anos, o mandato foi hegemonizado e instrumentalizado para práticas direcionadas a uma organização específica, o que discordamos.

Boicote do próprio mandato: promovendo uma rivalidade com a Porta Voz do mandato, boicotando, agindo com morosidade e burocratizando iniciativas que não partissem de seu grupo político e até deixando de realizar ações importantes pela Coletiva com a justificativa de que traria benefício em visibilidade e força política para a Porta Voz, mostrando que uma ação que é boa para a sociedade deixa de ser boa para determinadas pessoas e grupos se trazem visibilidade para quem não desejam. Quebra reiterada de acordos: realizando ampla campanha difamatória interna e externa e de agressão política contra a Porta Voz do mandato, praticando assédio e constrangimento cotidiano no ambiente do gabinete a ponto de levá-la ao adoecimento e afastamentos por questões de saúde mental, e realizando várias ações de difamação contra o Movimento Bem Viver e seus militantes, inclusive de aproximação recente, buscando inviabilizar as construções do movimento e até sua candidatura em 2022. Essas ações foram realizadas de forma reiterada por pessoas da organização política que rivalizava com o Movimento e a Porta Voz, de dentro e fora do gabinete, com a conivência e até a participação de covereadoras.

Chegando agora à metade da duração do mandato, após quase dois anos de tentativa de negociação sem sucesso, compreendemos que a composição da assessoria atual do gabinete havia chegado ao seu esgotamento. Essa situação insustentável cobrou um preço muito alto da saúde física e mental da nossa militante, figura pública de maior alcance naquela composição, que foi consistentemente alvo de ataques, calúnias e agressões, tendo que ser afastada do mandato por questões de saúde mental em duas ocasiões. Entendemos que, como Movimento Bem Viver, temos responsabilidade de garantir as condições para que o adoecimento causado por essa tarefa militante não continue e ela possa seguir exercendo sua militância política de forma segura.

As mudanças no gabinete foram necessárias para garantir a execução da estratégia eleita, interromper as ações de boicote e garantir os acordos mínimos de convivência. Mesmo com as relações de confiança rompidas, ainda assim buscamos uma proposta que manteria as covereadoras atuando de forma remunerada até o final do mandato.

A definição de reorganização e proposta de acordo para manutenção das covereadoras foi apresentada em uma reunião com a Executiva do PSOL no dia 09 de novembro de 2022 com a presença inclusive do presidente do partido no município, buscando que elas analisassem e indicassem que tinham acordo para seguirmos a construção parlamentar até o final do mandato. Porém, no dia 11 de novembro de 2022 recebemos a notícia pelas redes sociais de que as covereadoras estavam rompendo com a construção do mandato, estavam desautorizando a utilização do nome da coletiva eleita e fazendo acusações e ataques, inclusive na imprensa e negando mais uma vez o acesso à página do mandato (algo que já havia acontecido anteriormente), utilizando-a mais uma vez para os fins de seus objetivos pessoais e sua organização política.

Apesar de toda essa situação, reiteramos que fizemos o máximo esforço para manter a participação e lamentamos que as covereadoras não tenham aceitado essa reorganização e tenham decidido romper com o mandato. Repudiamos o método de fazer esse debate através da imprensa e redes sociais, distorcendo os acontecimentos sobre os quais temos fartas evidências.

O Brasil elegeu dezenas de mandatos coletivos desde 2016 e a maioria das experiências foram muito boas. Apesar disso, essa não é a primeira experiência que tem problemas no Brasil.

Ainda assim, queremos fazer dessa a primeira experiência de reorganização pública e militante de um mandato coletivo. A partir da saída das covereadoras (algo que não era de nossa vontade e que nos esforçamos para mediar e evitar), nos comprometemos a reorganizar a estrutura para se manter o formato de mandato coletivo de mulheres revolucionárias com paridade racial e construção com representantes dos povos indígenas, LGBTQIA+, mulheres negras e periféricas com enraizamento real e disposição de luta. Seguiremos fiéis aos princípios do Bem Viver e à estratégia ecossocialista para resistir no nosso tempo e construir uma nova sociedade.

A transformação que sonhamos para ser alcançada não pode ser interrompida, boicotada, ou adiada. E não será! O compromisso do Movimento Bem Viver com o povo de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil e mundo segue cada dia mais firme dentro e fora da institucionalidade até a Revolução!

Movimento Bem Viver SC”

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