
Uma mãe de Santa Catarina foi penalizada por não matricular seu filho de 15 anos na escola. Regiane Chichelero Werlang reside em Jaraguá do Sul, no litoral Norte do Estado, e é praticante do homeschooling. O que consiste na educação domiciliar de crianças e adolescentes, fora do ambiente escolar.
De acordo com a defesa de Regiane, o valor da multa já superou R$ 100 mil. Uma vez que há uma penalidade diária pela ausência do garoto nas aulas regulares. Formada em Direito, ela é responsável por ministrar as aulas ao adolescente.
O processo teve início após a visita do Conselho Tutelar, que a notificou com base no artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ele impõe multas pelo descumprimento das obrigações parentais.
Uma dessas obrigações é a matrícula em uma instituição de ensino. A Constituição Federal determina que a educação na pré-escola e no ensino médio é obrigatória.
Segredo de Justiça
Como Regiane continuou com o ensino domiciliar, a situação se agravou. E levou o caso ao Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) e ao Tribunal de Justiça do estado (TJ-SC), em 2022.
O processo está sob segredo de Justiça e já passou pela primeira instância. Um julgamento de recurso deveria ocorrer neste mês de julho, mas a Justiça adiou a análise sem nova data definida.
Segundo Tales Melo, advogado de Regiane, chegou-se a discutir a possibilidade de perda da guarda do adolescente, mas essa medida foi revogada porque o Ministério Público “considerou isso uma ação exagerada”.

Em resposta à solicitação, o MP afirmou que não pode comentar o caso devido ao sigilo judicial. No entanto, informou que a implementação do homeschooling “depende de regulamentação por meio de lei federal específica, o que ainda não ocorreu”. O TJ-SC também não se manifestou sobre o assunto.
Regiane afirma não se arrepender da escolha pelo ensino domiciliar. “Quando comecei, meu filho estava no 5º ano (do ensino fundamental). Ele não sabia o que era unidade, dezena, centena, por exemplo”, relata. Hoje ele é um adolescente que escreve, faz redações longas, sabe interpretar texto.
Homeschooling tem proibição no Brasil?
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou um caso proveniente de Canela, no Rio Grande do Sul, onde uma família buscava o direito de educar seu filho na modalidade de ensino domiciliar. Os ministros decidiram em plenário que a prática é inconstitucional, pois não há menção ao homeschooling na Constituição.
Desde esse julgamento, se utiliza a decisão como referência para casos semelhantes, incluindo o de Regiane. A defesa da mãe argumenta que não há nenhuma lei sendo infringida, uma vez que a Constituição não proíbe explicitamente essa prática. Por isso, ela luta judicialmente pelo direito de gerenciar todas as etapas da educação do seu filho.
A regulamentação do homeschooling, apoiada durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), está sendo discutida na Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei 1338, apresentado em 2022 pela deputada Luisa Canziani (PSD-PR), propõe que pelo menos um dos responsáveis comprove ter completado ou estar cursando a educação superior.
Outro aspecto relevante do projeto é a necessidade de seguir a Base Nacional Comum Curricular, um documento do MEC que estabelece os objetivos de aprendizagem para cada fase. Regiane afirma que já aplica essas diretrizes no cotidiano com seu filho.
“Utilizei o material de uma escola particular para ser a nossa base e, a partir dali, construí mais materiais.” No Congresso, a tramitação do projeto está suspensa desde dezembro de 2023.
Em 2021, o ex-governador catarinense Carlos Moisés (PL) apresentou o projeto de lei complementar 775, que estabelecia regras para o homeschooling no estado. Contudo, consideraram a proposta inconstitucional pelo TJ-SC em 2023 por infringir as competências da União em relação às bases educacionais no Brasil.

O que diz o ECA
O artigo 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que é dever dos pais e responsáveis legais garantir a matrícula de seus filhos na educação regular. Assim, conforme o advogado Ariel de Castro Alves, que faz parte da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB, a legislação não admite o homeschooling, validando a decisão da Justiça de Santa Catarina.
Atualmente, essa forma de ensino domiciliar ainda não possui regulamentação. Existem propostas de lei sendo discutidas para permitir o ensino em casa, mas até agora nenhuma foi aprovada.
Quando pai e mãe não cumprem com os deveres do poder familiar, o artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que eles estão sujeitos a sofrerem punições estabelecidas pela Vara da Infância e Juventude comenta Alves. Ele também é ex-secretário nacional dos direitos da Criança e do Adolescente e ex-presidente do Conanda, referindo-se à multa imposta pela decisão judicial.
A perda da guarda é uma alternativa pouco provável, segundo ele, pois essa punição é aplicada em situações graves onde a segurança da criança está em risco, o que não se aplica aqui. “É uma forma de coação, para pressionar o pai e a mãe a fazer a matrícula”, avalia.
Papel da escola
Entretanto, se a mãe não conseguir reverter a decisão judicial e continuar mantendo o filho fora da escola, pode haver a possibilidade de um familiar próximo assumir a guarda e garantir a matrícula no ensino regular, afirma Alves.
A formação nos currículos escolares existe para formar as pessoas para a cidadania. E uma criança ou adolescente que não convive com outras pessoas, não convive com a diversidade, com crianças e adolescentes negros, adolescentes gays, de várias classes sociais, é uma pessoa que não vai se preparar para o convívio com as demais pessoas em sociedade. O papel da escola também é proporcionar esse convívio com a diversidade, é conhecer a realidade da sociedade, e o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê o direito ao convívio em sociedade detalha o especialista.
“Uma criança ou adolescente criado numa bolha, vai estar preparado para o mercado de trabalho? Ele vai estar preparado para pegar o ônibus superlotado, encarar um chefe um pouco mais autoritário e as demais pessoas no mercado de trabalho, saber trabalhar coletivamente? Certamente não, porque ele não conviveu com outras pessoas, foi criado sob a proteção dos pais dentro de casa”, conclui.